Banco de terras pode ser solução para entraves ao arrendamento
Artigo publicado no jornal Pùblico em 22 de agosto de 2010 da autoria do jornalista Adelino Gomes:
ADELINO GOMES
22 de Agosto
de 2010, 8:20
Sucesso de experiência galega impulsionou petição
online e inspirou projecto de lei que o Bloco de Esquerda levará ao Parlamento.
Com um emprego que muitos invejariam numa
multinacional, Sílvio Matos, nome fictício, não é agricultor. Ainda. E ainda
não é porque, um ano de tentativas depois, ainda não encontrou quem lhe arrende
por dez anos uns hectares de terra onde se possa lançar num projecto agrícola
voltado para a exportação.
Na última porta a que foi bater, conta, o dono do
terreno consultou um amigo "empreiteiro" e acabou a pedir uma
exorbitância pelo arrendamento. Entre outros motivos, o medo de ficar preso a
um contrato e a expectativa de um negócio fácil na área imobiliária levam
proprietários a preferir ficar com as terras paradas, o que nem sequer é
penalizado. E esta paralisia, "estranha num país em crise", fértil em
terras abandonadas e no qual se volta a falar da importância da agricultura
para a economia, levou José Martino, um conhecido consultor agronómico do Norte
do país, a lançar na Internet uma petição a insistir numa proposta que, com
muitas nuances, tem vindo a ser feita desde o 25 de Abril: a
criação de um banco de terras de gestão pública.
A história de Sílvio Matos já passou pelas mãos de
José Martino. Que conhece muitos outros processos de insucesso completo, ou de
anos e anos gastos em busca de terrenos que, existindo, não estão disponíveis
para arrendamento. "É uma questão cultural. A posse tem muita importância,
e as pessoas estão sempre à espera de uma valorização, preferindo não arrendar."
Recusando modelos estatizantes, que pressupõem que o Estado compre terras
paradas para as ceder a quem as queira explorar, este engenheiro agrónomo
defende que seja criado em Portugal algo parecido com o Banco de Terras Galego
(Bantegal), cuja experiência de quase três anos é considerada válida pelas
autoridades locais, e que é um case study europeu, conhecido,
por via da Direcção-Geral da Agricultura e do Desenvolvimento Rural, pelas
autoridades portuguesas.
Tal como na Galiza, o que José Martino defende na
petição alojada em http://peticaopublica.com é que seja criado um portal
"imobiliário", com todas as parcelas disponíveis para arrendamento e
respectivas condições para a prática da agricultura. Condições essas
previamente avalizadas pelas direcções regionais de agricultura, às quais,
defende, seria dada a gestão do portal. Mas para lá do interface informático
baseado em sistemas de informação geográfica e desenvolvido pelo Laboratório do
Território da Universidade de Santiago de Compostela, o que distingue o
projecto galego é o papel do Estado. A Junta Regional, no caso, garante ao dono
do terreno que lhe pagará a renda se o arrendatário falhar e compromete-se com
a entrega da terras nas mesmas ou até em melhores condições do que no início do
contrato (ver link).
Tentação
imobiliária
Se um instrumento como este existisse em Portugal,
Lúcia Lopes, 38 anos, talvez não tivesse precisado de uma década para encontrar
o seu primeiro terreno em Ponte de Lima, arrendado por 15 anos, mínimo exigível
para a a sua aposta num projecto de produção de castanha. E Victor Araújo
talvez não perdesse tanto tempo a viajar por vários concelhos do interior dos
distritos do Porto e Braga à procura de terra onde expandir os seus projectos
de kiwicultura. Sócio de várias empresas desta fileira que vem ganhando
importância no sector, este empresário assume que os vinte anos de contrato que
propõe é o primeiro problema negocial. "Antes de discutir o preço,
esbarramos logo na questão do tempo", nota.
Este produtor de kiwis sabia que, nesta zona do país,
já tinha a concorrência do sector leiteito, mas nos últimos tempos descobriu
outro concorrente para propriedades com dimensões acima de dez/quinze hectares:
os projectos de campos de golfe, "que têm uma componente imobiliária,
muito rentável, associada", concede. Responsável por algumas operações de
emparcelamento - conseguiram juntar 30 hectares de várias propriedades em
Valença e na Póvoa de Lanhoso exploram uma área de 35 hectares, consequência
destes esforços de busca nos últimos anos -, Victor Araújo considera que a
baixa tributação das terras incultas não fomenta a colocação das propriedades
no mercado de arrendamento/venda.
A dificuldade em encontrar terras disponíveis para
arrendamento rural, a preços justos, é um entrave conhecido à expansão da
agricultura no Centro e Norte do país, regiões onde à reduzida dimensão da
propriedade se juntam problemas como o abandono. Problemas que a cada Verão são
associados aos incêndios que, no caso deste ano, até se concentram precisamente
nestas duas regiões.
As histórias de dificuldades e insucesso
multiplicam-se e, mesmo considerando não ser este o maior problema do sector, o
Ministério da Agricultura espera, depois do Verão, ter pronta legislação que
crie um banco ou bolsa de terras, que facilite o mercado imobiliário rural.
Um instrumento que está a ser reclamado numa petição
que corre na Internet e que o Bloco de Esquerda vai levar também ao Parlamento,
na próxima sessão legislativa (ver link). Do lado do Governo, é o próprio secretário
de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural que explica que,
paralelamente ao banco de terras, estão a ser estudadas com as Finanças medidas
de "desincentivo" ao abandono da terra. Medidas
"imprescindíveis" para garantir a adesão de proprietários ao mercado
do arrendamento rural, nota também José Martino.
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